A noite avançava e deixava o ar
pesado, como se a maresia tomasse conta e o cheiro de peixe invadisse o espaço
entre o quebra-mar e a calçada. Não havia lua e a noite parecia ainda mais
escura e sombria.
Uma figura
esguia de moça nova rompia o passeio e olhava de soslaio para a imagem da
cidade ali, refletida na água da baía. Seus cabelos flutuavam e faziam ondas
sob a face pálida e contrita.
De
repente seu caminho e pensamento foram interrompidos por uma voz familiar e
conhecida:
- Maria, para onde vai com
tanto pesar e essa expressão tão sofrida?
- Que nada Orlandinho. Só
estou pensando na vida. Tirei o dia para reavaliar meus pontos de vistas e
minhas escolhas. A noite hoje está propicia.
- Mas lhe vejo abatida.
- Sim, talvez pela descoberta
de uma série de mentiras. Você sabe como me sinto a esse respeito. Odeio
mentiras. Principalmente quando elas partem de quem você sempre confiou. É
uma traição e tanto.
- Mas não se deixe abater
minha amiga. Pelo menos isso já foi esclarecido não é? Já não há mais
engano.
- Contudo, isso machuca. A
sensação de ter sido usada e ludibriada é asfixiante. O envolvimento
emocional foi sincero e muito forte da minha parte. Infelizmente, não
houve recíproca, mas pura dissimulação direcionada a interesse. Isso
humilha.
- Eu entendo minha cara. O que
Você pretende fazer, agora?
- Seguir vivendo. Sempre me
bastei. Quando optei em morar aqui neste lugar maravilhoso, vim em busca
de qualidade de vida. E vou tê-la. Às minhas custas e de mais ninguém. A ilusão
de ter alguém que nos ame é pura estória da carochinha. Hoje, ninguém ama
ninguém, com a exceção de alguns trouxas como eu que ainda acreditam em
MAGIA . Hoje está tudo pasteurizado e marcado pelo sucesso inebriante e
fugaz de carreira e dinheiro. Por isso, amar é para poucos. Como não
pretendo aderir a essa mediocridade e misturar com gente desse tipo, estou
redimensionando minhas prioridades na terrinha.
- Você está certa.
- Obviamente devo ter em mente
uma margem de manobra. Minha nona dizia sempre “antes só do que mal
acompanhada”. Esse será meu lema a partir de agora.
- Você é um barato! Sempre lhe
admirei por sua coragem e força para transpor as dificuldades. Você é uma
vencedora. Vai superar isso logo, logo.
- Para dizer a verdade, já
superei. Não dá para ser infeliz num lugar desses. Vou devagar e sempre,
sem abrir mão da minha dignidade. Mereço respeito. Não é qualquer carinha
bonita ou beijinho que me faz abdicar de meus princípios. Depois, sabe
como é, tenho anos de terapia e a cabeça em ordem. Não vou jogar tudo isso
fora por nada nem por quem está fora do prumo
- E seu trabalho, como está?
- Perfeito. Nunca compus
tanto. Meu site está cada vez mais popular e sei que tenho contribuído
para dar um pouco de romantismo às pessoas. Muitos estão tomando gosto por
poesias. Acho melhor isso do que ficar fechado inventando teses que
ninguém lê e não serve para nada. É só masturbação cerebral e de ego, alem
de enrolação de tempo.
- Minha amiga está tarde e vou
indo. Deixei a Camila terminando algumas anotações e vim dar uma caminhada
para refrescar. Foi bom ter lhe encontrado. Boa noite.
- Boa noite, Orlandinho. Manda
um abraço a todos.
- Boas…
Assim,
Maria continuou seu passeio noturno na altura do Mar Aberto, sorvendo a brisa
marítima que, naquela altura, estava limpa e fluídica. Seu olhar mirava o
infinito do horizonte enegrecido. Uma paz enorme inundava seu peito. Sabia que
tinha feito o seu melhor, em tudo que havia investido e vivido. Por isso a
sensação de missão cumprida. A dor doída era apenas uma lembrança para não
errar de novo e escolher melhor a criatura. Afinal, amar e amor não são para
qualquer pessoa. Essa era a sua lição de vida.
O caminho
de volta para casa e o vulto da moça recortado na paisagem da baía era apenas
uma margem de manobra, para outros dias que viriam.
Ilhéus,
22 de Outubro de 2008. 23h42min
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